sábado, 27 de fevereiro de 2010

As ingerências inglesas na África e as transformações no comércio atlântico: o caso das cidades de Bonny e Ajudá


Por João Henrique Fernandes Leite
*Graduando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e
bolsista PIBIC/CNPq.Contato: joaohfl@hotmail.com




Resumo:


Este trabalho consiste em analisar as ações inglesas nas cidades de Ajudá e Bonny, que estão situadas na baía do Benin e do Biafra respectivamente, e eram importantes entrepostos comerciais para as embarcações vindas da Europa e das Américas. Tais ações, que causaram impactos políticos econômicos e sociais para ambas as cidades.

Palavras-chave: África – Comércio Atlântico – Inglaterra





I) Ajudá e Bonny antes do Século XIX
Os franceses e ingleses interessavam-se mais por produtos como os couros, os paus de tinta, a malagueta, as pimentas, o marfim, as gomas, o azeite-de-dendê, o almíscar ou âmbar, porém não deixavam de comprar alguns escravos.[1]
(Alberto Costa e Silva)


As Relações Políticas e Econômicas de Ajudá e Bonny: do lucrativo comércio transatlântico escravista aos impactos políticos e sociais

Durante as últimas décadas podemos notar na historiografia uma grande atenção para os estudos africanos. Esse estudo é impulsionado, sobretudo, pela temática da escravidão. A escravidão, sem dúvida alguma, consistiu em uma das instituições mais importantes da história, já que esteve presente em diversos lugares do mundo. Sendo encontrada desde a antiguidade até aos tempos mais contemporâneos.



A escravidão é um período da história universal que afetou todos os continentes, simultaneamente às vezes, ou sucessivamente. Sua “gênese” é a soma de tudo que adveio durante um tempo indeterminado, em vários lugares. O tráfico africano de escravos para o Maghreb, e depois para a Europa, que está na origem da escravidão na África Negra, apenas substituiu tráficos que subsistiram durante séculos na Ásia, no continente europeu em torno do Mediterrâneo. [2]

Entretanto, foi na África que a escravidão encontrou, em diversas vezes, suas relações mais íntimas e limítrofes. Onde promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais[3] – sendo elas, bruscas ou não – nas sociedades africanas.
O tráfico de escravos foi também uma característica marcante do continente africano, já que ele promoveu estreitos laços comerciais com as Américas e com a Europa. Que, de acordo com Mariza Soares, estabeleceu um vínculo entre a História das Américas, da Europa e da África[4].
Vejamos agora, as relações comerciais escravistas de duas cidades que, por sua vez, destacaram-se diante da dinâmica do comércio atlântico. Consolidando-se por serem importantes entrepostos para os navios europeus, em busca de azeite-de-dendê e/ou óleo de palma, de ceras, de resinas, de madeiras, de marfim, e de escravos.[5] São elas: Ajudá e Bonny, situadas na Baía do Benim e na Baía do Biafra, respectivamente.

A) Ajudá: supremacia no tráfico escravista

Para Pierre Verger[6], Ajudá se tornou um dos entrepostos comerciais mais importantes da África. Sendo responsável pelo embarque de inúmeros escravos destinados, principalmente, às Américas. Tal destaque alcançado através do comércio negreiro – para Elisée Soumonni[7] – é iniciado a partir da década de 1670.
Soumonni comenta que o meio ambiente natural de Ajudá foi determinante para seu sucesso comercial, já que, Ajudá estava localizada à margem das lagoas e bastante próximo ao litoral atlântico. Um importante fator que contribuiu para a prosperidade econômica de Ajudá ocorreu em 1671, quando os franceses deslocaram o lucrativo entreposto comercial que haviam estabelecido em Ofra para o porto de Ajudá, Glehue, até então, pertencentes ao reino de Huedá.

No fim do século XVII, o porto de Ajudá havia ganho a parada:
tornara-se muito mais importante como exportador de escravos do que Aladá.
Ironicamente, porém, provinha do Aladá o grosso dos cativos que se vendiam em
Ajudá, gerados pela expansão do Daomé, pelas repetidas guerras entre as cidades
costeiras e pelo banditismo de uma série de warlords ou senhores-da-guerra que o
tráfico de escravos ajudara a multiplicar na região.
Não demorou muito para
que se fossem desatando os laços de vassalagem, fossem esses apertados ou
frouxos, entre Ajudá, Tori, Popó Grande e Aladá.
[8]

Posteriormente, em 1727, Ajudá é conquistada pelo poderoso reino escravagista e expansionista do Daomé. Que para Soumonni, “viria a confirmar sua posição inicial de principal porto do tráfico negreiro na região”[9].

Daomé utilizava Uidá como seu principal porto, como fez Oió até
a última quarta parte do século. Uidá permaneceu como principal porto e pode ter
sido responsável por quase um milhão de escravos do final do século XVII até o
início do século XIX.
[10]


Após a conquista, um dos principais objetivos das autoridades do Daomé era estabelecer a administração e o controle comercial e estratégico de Ajudá. Com isso, a dominação daomeana introduziu diversas mudanças administrativas em Ajudá. Como exemplo, em 1733, através da nomeação de um governador de província para residir em Ajudá, o iogovã – que significa “Chefe dos Homens Brancos”.

O iovogã foi, sem sombra de dúvida, a figura central da máquina administrativa de Ajudá, no duplo papel que o lugar desempenhava como província integrada no sistema político daomeano e porto de comércio europeu.[11]

Mas é também verdade que a posição do iovogã era ambígua e delicada. Como de outros funcionários de Uidá, esperava-se que o iovogã fosse digno de confiança, capaz de atrair o máximo de receita possível para o rei, sem destruir o comércio, e inteiramente isento da tentação de acumular fortuna pessoal à custa dos interesses da realeza. Na história do Daomé, são fartos os indícios de que essas condições eram difíceis de satisfazer. Como observou Akinjogbin, o excesso de zelo nos serviços prestados ao rei podia levar à extorsão e fazer com que os dirigentes das feitorias européias de Uidá se queixassem do iovogã ao rei. Por outro lado, a incapacidade de satisfazer o monarca podia dar margem à suspeita de que o iovogã era incompetente ou estava acumulando fortuna pessoal. Qualquer dessas duas suspeitas podia levar à pena de morte.[12]

Como podemos perceber, o cargo do iovogã era relativamente instável, pois estava submetido ao poder real. Já em 1818, com Guezo chegando ao poder o cargo de iovogã será substituído pelo de chachá que, por sua vez, conhecerá uma significativa estabilidade.

B) A cidade de Bonny e suas relações atlânticas

Assim como Ajudá, a cidade de Bonny tornou-se um dos maiores entrepostos comerciais da África Ocidental. Estando na Baía de Biafra, essa cidade transformou-se em uma das cidades de maior atividade comercial da região do Delta do Níger. Tendo o tráfico de escravos e o comércio de óleo de palma como suas principais atividades comerciais.
Entretanto, para alcançar esse sucesso comercial a cidade de Bonny teve que passar por diversas transformações. Segundo o historiador Ebiegberi Joe Alagoa, o povoamento dessa região se iniciou por volta do século XII, e foi intensificado a partir do século XV devido à migrações seqüenciais de regiões interioranas próximas em direção às áreas litoraneas. Tais migrações promoveram uma mudança na organização produtiva de uma tradicional vila fazendeira do interior para as vilas de pescadores do litoral, por causa das diferenças geográficas entre a regiões. De acordo com Alagoa, Bonny também motivou mudanças na configuração institucional de governo e na organização da sociedade, que acarretou nas transformações das vilas em cidades estado, favorecida principalmente pelo comércio interno de longa distância, e não pelo contato comercial atlântico com os europeus.[13]
Alexander Gebara analisa brevemente essas transformações nos âmbitos políticos, econômicos e sociais em Bonny. Demonstrando que tais mudanças ocorreram, principalmente, após a migração para o litoral.
Nas vilas fazendeiras a autoridade política estava submetida a assembléia geral (em que todos os membros masculinos adultos faziam parte) que, por sua vez, era presidida pelo mais velho dos membros da linhagem fundadora da vila, o amanyanabo; que além da autoridade da assembléia, possuía direito à grande parte das terras cultiváveis. Mas após o deslocamento para as áreas litorâneas, houve uma consecutiva intensificação com o comércio atlântico, no decorrer do tempo. Tal intensificação do comércio provocou mudanças no sistema de linhagens (House sistem), tornando-as intimamente ligadas a esse comércio.[14]

Como resultado do desenvolvimento do comércio atlântico e das ondas migratórias seqüenciais, a região do Delta do Níger tornou-se um espaço muito povoado. Constituiu-se então uma região especializada no comércio, com um excedente populacional que veio a suprir parte da demanda escrava com o incremento do tráfico atlântico, principalmente a partir do século XVII.[15]

Paul Lovejoy afirma que o comércio de escravos na Baía de Biafra foi extremamente importante para a cidade de Bonny, tornando-a uma das principais cidades exportadoras de negros para as Américas, sobretudo, no século XVIII.

As exportações anuais subiram de uma média de pouco mais de 1.000 na primeira década do século, alcançando 3.000 - 3.500 por ano nas décadas de 1720 e 1730. O número de escravos exportados triplicou para quase 10.000 por ano nas décadas de 1740 e 1750, subindo para 15.000 na década de 1760, e chegando ao ápice em 17.500 por ano na década de 1780. Esse rápido aumento de escravos quase abasteceu inteiramente os navios ingleses, que eram responsáveis por 85 por cento dos carregamentos de escravos na baía de Biafra.[16]

Entretanto, a partir de meados do século XIX – principalmente da década de 1850[17] – o comércio de escravos sofreu uma crise devido às pressões inglesas para o fim do tráfico atlântico. Apesar dessa crise, Bonny continuou a prosperar nos oitocentos devido – sobretudo – ao óleo de palma. Produto que muito interessava aos ingleses.


II) Os Ingleses na África no Século XIX
O Oitocentos é também o século em que o Reino Unido procura fazer do Atlântico um mar britânico; o século em que se destrói o comércio triangular entre a Europa, a América e a África e em que se desfazem as ligações bilaterais entre os dois últimos continentes; e o século em que começam a integrar-se na comunidade mundial, ainda que de modo imperfeito, as nações africanas, até então fora das grandes rotas do caravaneiro e do navegador. [18]
(Alberto Costa e Silva
)
Os interesses ingleses nas baías de Benim e Biafra

Como sabemos a Inglaterra no século XIX promoveu uma série de ações contra o tráfico de escravos. Para Alberto da Costa e Silva, vários fatores contribuíram para a campanha contra o tráfico, são eles:

Em primeiro lugar, o sentimento humanitário, que se opunha à iniqüidade do regime escravocrata. Em segundo lugar, a crença européia numa necessária evolução histórica, semelhante para todos os povos, e no conseqüente dever de procurarem os mais adiantados conduzir os mais atrasados pelos caminhos do progresso. Em terceiro lugar, o renascido zelo pela catequese cristã. Em quarto, o prestígio da teoria da liberdade de comércio. Esse denso tecido ideológico fez com que a campanha contra o tráfico e pela abolição assumisse dimensões quase religiosas e viesse a justificar o renascer de uma vontade colonial na Europa.[19]

Mas certamente, os ingleses não tinham apenas a pressão da opinião pública ou razões puramente humanitárias para declarar a ilegalidade da escravidão, e muito menos apenas de caráter religioso. Como o próprio George Canning[20] mencionava em seus despachos, a Inglaterra possuía importantes interesses econômicos para incentivar o fim da escravidão. Podemos citar como exemplo: a questão do açúcar. Pois com o fim da proibição inglesa ao tráfico para as suas colônias nas Antilhas, que eram grandes produtoras de açúcar, ocasionou a diminuição da mão-de-obra, e a utilização de uma mão-de-obra assalariada, causando o encarecimento do açúcar inglês produzido nesta colônia. Logo, eles não tinham como competir com o açúcar brasileiro, cuja produção era realizada pelo trabalho escravo.
Sendo assim, era nítido o interesse dos ingleses por alguns produtos africanos, destacando-se entre eles o azeite-de-dendê. No teve o desenvolvimento produtivo incentivado pelos britânicos com o combate ao tráfico.
A fim de atender à demanda européia e por estímulo daquelas mesmas nações que haviam combatido o tráfico transoceânico de escravos, expandiu-se na África uma agricultura de exportação ­– de óleo de palma, de amendoim, de cravo, de pimenta, de café, de cacau, de sisal – e desenvolveram-se grandes plantações do tipo americano (plantations).[21]
Ou seja, a presença inglesa na África no século XIX, influenciou as sociedades africanas nas relações políticas, econômicas e sociais, utilizando como principal ferramenta de ação a sua poderosa esquadra.

A presença do esquadrão anti-tráfico britânico, plantado nos flancos ocidentais, levava s negreiros a uma infinidade de artimanhas: quando desviavam suas rotas marítimas, substituíam os portos mais tradicionais, como Uidá ou Ajudá, por exemplo, por embarcadouros recém-formados e menos conhecidos, por praias e enseadas ermas, e ainda quando definiam preferências por tipos mais leves de embarcações. [...] Conjuntura que, supõe-se também levou ao aumento da mortalidade no interior dos negreiros, pois, diante da ilegalidade do comércio e
da ausência de uma legislação normativa, registrava-se rotineiramente a superlotação dos navios.
[22]

A) As ações inglesas no Daomé

Como já vimos antes, a supremacia do reino do Daomé na baía do Benim estava baseada no tráfico de escravos e no comércio externo. Devido a isso, os ingleses tiveram uma atenção especial nessa região. Não só para combater o tráfico, mas também para conseguir vantagens comerciais e concorrer com sua principal rival no comércio de azeite-de-dendê na região, a França.
A cidade de Ajudá foi um dos principais cenários dessas relações inglesas no Daomé no século XIX. Nesse mesmo período – mais precisamente em 1818 – Guezo assume o poder no Daomé com a ajuda vital de Francisco Félix de Souza, que por sua vez, fora essencial na administração do novo rei do Daomé.

Francisco Félix de Souza foi um baiano de notável inteligência, incomum habilidade e grande encanto pessoal, no trato com os brancos e com os grandes do Daomé. Tendo chegado à África sem um tostão, em pouco tempo tornou-se um poderoso chefe africano e um dos maiores mercadores de escravos da história. Mestre de um comércio fundado na violência e na crueldade, era, contudo, tido, até mesmo por seus adversários, como um homem generoso e desprendido, padrinho líder e protetor dos ex-escravos retornados do Brasil e que se instalaram na costa africana.[23]

Já nomeado chachá da cidade de Ajudá por Guezo, Félix de Souza teve um papel fundamental nas relações comercias no Daomé, sobretudo, no comércio de escravos e de azeite-de-dendê. E, de acordo com Soumonni, Félix de Souza era tido pelos ingleses como um dos principais fatores pelo fracasso de sua pressão para com o rei do Daomé.
Francisco Félix de Souza também deixava clara sua posição diante da rivalidade entre a França e a Inglaterra ao apoiar as transações comerciais francesas em Ajudá. E tinha como principal motivo para não ir de encontro aos interesses comerciais britânicos, o fato dos ingleses pressionarem Guezo para o fim do tráfico de escravos.
Tal rivalidade entre esses dois países, promoveram diversas missões diplomáticas inglesas ao reino do Daomé, a fim de obter privilégios comerciais e persuadir o rei Guezo a desistir do tráfico negreiro. Com isso, os ingleses visavam prejudicar a casa comercial de Victor Régis, que havia fundado sua fábrica de azeite-de-dendê em Ajudá que, por sua vez, utilizava o trabalho escravo e, era acusada pelos ingleses de incentivar e até praticar o comércio ilegal de escravos.[24] Mas a França não deixou por menos, também enviou à Abomé (capital do reino do Daomé) a missão diplomática de Auguste Bouet com o objetivo de também conseguir vantagens comerciais e contestar os interesses ingleses.
Devido ao sucesso da missão de Bouet e convencidos que Guezo não suspenderia o tráfico em Ajudá, os ingleses fizeram um bloqueio naval a vários portos da baía do Benim.
O bloqueio promovido pela poderosa esquadra britânica proporcionou grandes prejuízos ao reino do Daomé, e tomando ciência disto, Guezo resolve atender as exigências britânicas e assinar um tratado estabelecendo o fim da exportação de escravos.

A rivalidade entre a França e a Grã-Bretanha é uma ilustração de como a presença européia exerceu impacto na administração de Uidá durante o período abolicionista, num grau que não havia ocorrido durante o século XVIII. Na cruzada anti-escravagista, somente a Grã-Bretanha dispôs-se a adotar medidas severas, como o bloqueio do principal porto comercial do Daomé. Apesar do efeito limitado dessas medidas sobre o próprio rei, elas foram uma indicação da
incapacidade de seus agentes de controlarem com eficiência os comerciantes europeus de Uidá, especialmente aqueles que podiam contar com um respaldo sólido por parte das autoridades de seus países de origem.
[25]

Devido a tais imposições inglesas, o tráfico negreiro começou a entrar em crise no decorrer dos anos, promovendo simultaneamente a ascensão do azeite-de-dendê como principal produto na pauta de exportações daomeanas.
Em suma, muitos historiadores afirmam que a Inglaterra promoveu a transição do “comércio ilegal” (tráfico de escravos) para o “comércio legal” (azeite-de-dendê, amendoim, dentre outros produtos). A transição para este comércio promoveu o aumento da escravidão na economia interna africana. Isto é, os escravos estavam cada vez mais inseridos nas áreas de produção de azeite-de-dendê, amendoim, nozes de cola, ouro, borracha e outras mercadorias. Já a demanda de mão-de-obra escrava, variava em relação a cada produto e entre diferentes áreas de produção, mas é importante ressalvar, que a escravidão e a economia estavam intimamente relacionadas. [26]

B) As ações inglesas em Bonny

O grande interesse inglês pelo lucrativo comércio de palma, designou uma série de transformações políticas em Bonny. Sendo assim, as ações inglesas influenciaram diretamente na administração da cidade.
Quando o rei de Bonny – Opobu Pepple – em 1830 morreu, seu herdeiro William Pepple ainda não tinha idade suficiente para assumir seu cargo. O que proporcionou a escolha de um regente temporário – Madu, ex-escravo da casa Pepple – que viria a morrer três anos depois. Através disso, o filho de Madu, Alali, assumiu em seu lugar em detrimento do herdeiro legítimo. Essa disputa pelo poder acarretou uma divisão de opiniões em Bonny, uma parcela da população queria a permanência de Pepple, já os comerciantes e outros grupos, apoiavam Alali que, por sua vez, tornou-se o rei de Bonny.[27]
Entretanto, Alali não iria permanecer por muito tempo governando Bonny. Já que o mesmo reagiria contra uma intervenção inglesa em seu porto, que causou o aprisionamento de um navio e um comandante inglês; que originou ações explícitas por parte da esquadra inglesa. Conseqüentemente, os ingleses instauraram William Pepple como rei de Bonny e o obrigou a fazer concessões às pretensões políticas e comerciais britânicas.[28]
Enquanto isso, o comércio de óleo de palma em Bonny vinha crescendo cada vez mais ao passar dos anos no século XIX. De acordo com Gebara, “por volta da década de 1830, esta localidade respondia por aproximadamente um terço do volume total de óleo de palma exportado por toda a costa ocidental africana[29].

As exportações de azeite-de-dendê [na Baía de Biafra] cresceram espetacular-mente, subindo de cerca de 3.000 toneladas em 1819 para quase 8.000 toneladas em 1829 e para 12.800 toneladas em 1839. Em meados da década de 1850, o volume chegou a 24.000 toneladas por ano e alcançou 41.000 toneladas anualmente na década de 1860.[30]

Já o comércio de escravos continuava a existir, ainda que, em volume diminuído. Isto é, Pepple não estava disposto a cumprir o tratado que havia firmado com a Inglaterra, embora o mesmo também não tenha cumprido sua parte no acordo, deviam pagar 2 mil dólares ao ano à Bonny durante 5 anos.
As missões diplomáticas em Bonny também foi um fator determinante para o sucesso comercial inglês na baía de Biafra. Sobretudo, após o envio do primeiro cônsul inglês John Beecroft para as baías de Benim e de Biafra. Em 1854, esse mesmo diplomata acabou depondo Pepple e enviando-o para o exílio, onde passou parte deste em solo inglês.
O exílio de William Pepple originou uma desorganização política e comercial em Bonny, estabelecendo assim, um sentimento anti-britânico que acarretou resistências africanas contra as imposições inglesas em Bonny. Por isso, sete anos depois, Pepple foi reempossado como o rei de Bonny.
Outro diplomata que causou problemas a Pepple foi cônsul Richard Francis Burton. Segundo Alexander Gebara, a administração de William Pepple era relativamente limitada, principalmente após a sua volta do exílio, já que o rei estava com suas relações comerciais enfraquecidas ocasionado pelo seu afastamento. E para piorar a situação de Pepple, Burton enviou inúmeras correspondências à Inglaterra criticando a administração dele.
Gebara aponta também para a fundação de uma nova cidade, Opobo, que superaria posteriormente a própria cidade de Bonny no comércio de óleo de palma. Pode-se afirmar, que uma das causas para o surgimento dessa cidade é decorrente do enfraquecimento das influências políticas e comerciais do rei William Pepple. O responsável pela fundação dessa cidade foi o ex-escravo Jaja, que fora comprado por Alali.

Um escravo, comprado na sua juventude em um mercado do interior, chegou até mesmo a dirigir os estabelecimentos comerciais mais bem-sucedidos em Bonny, e quando foi colocado em uma difícil posição política, deslocou o seu séqüito para um novo local em Opobo e tornou-se o governante daquela cidade. Esse homem, Jaja, alcançou durante uma simples existência um transformação social de um humilde menino escravo de ibo a um poderoso governante, possuindo mais de mil escravos, incluindo escravos que tinham eles próprios grandes propriedades.[31]

Com isso, podemos perceber as transformações nas estruturas políticas, econômicas e até mesmo sociais causados pela constante intervenção inglesa na região.





III) Conclusões


A Inglaterra aspira ao domínio universal da Ásia, assim como, pelas colonizações de guerra que vai empreendendo na África, se deve supor que aspira ao senhorio absoluto desta grande região. [32] (Cunha Matos – 2 de julho de 1827)


As semelhanças Ajudá entre Bonny

Através desse panorama das cidades de Ajudá e Bonny, podemos apontar algumas diferenças e semelhanças entre as mesmas. Uma dessas diferenças é em relação à organização política local. Ajudá estava submetida ao poderoso reino escravista do Daomé; enquanto Bonny gozava de uma política independente, constituindo-se como uma cidade-estado.
Já as semelhanças entre essas cidades são mais nítidas. Podemos citar, por exemplo: a grande importância dos portos de Ajudá e Bonny para as suas respectivas regiões e a relevância comercial do tráfico de escravos para ambas. As pressões, ações e influências inglesas exercidas nessas cidades, também são de suma importância; pois proporcionou as mesmas, grandes transformações nas esferas políticas, econômicas e sociais, originados pela introdução do “comércio legal” – sobretudo, do óleo de palma – e pela coibição do tráfico atlântico nessas cidades.
Em suma, Londres desejava assumir uma posição de primazia mercantil no continente, sem gastar em combate vidas humanas, sem despender dinheiro além da linha das praias, sem assumir responsabilidades coloniais. A Inglaterra conseguiu em parte seus objetivos devido principalmente ao seu poderio naval, que garantia sua preponderância econômica nos litorais, nos rios e nos portos. Entretanto, a pressão ambiciosa dos interesses de seus comerciantes, o zelo de seus cônsules, os brios dos comandantes de sua marinha e a contestação à sua presença nas costas da África por outros países europeus – sobretudo pela França sua rival –, fariam com que o governo britânico assumisse encargos que buscara inutilmente evitar.


Bibliografia:

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Outras fontes:

Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Senhores Deputados, Segundo Ano da Primeira Legislatura. Sessão de 1827, tomo 3, p. 12.

[1] SILVA, Alberto da Costa e, A Manilha e o Libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. p. 461.
[2] MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da Escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
[3] Claude Meillassoux discute em sua obra, a produção e o consumo dos escravos nas sociedades africanas e, sua consecutiva vinculação ao mercado externo no Atlântico. Ver: MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da Escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
[4] SOARES, Mariza de Carvalho (org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benim ao Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 2007. p. 65.
[5] SILVA, Alberto da Costa e, Um rio Chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed.UFRJ, 2003. p. 40.
[6] VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benim e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. 3ªedição. São Paulo: Corrupio, 1987.
[7] SOUMONNI, Elisée. Daomé e o mundo Atlântico. Sephis/UCAM, Amsterdã/Brasil, 2001. p. 39.
[8] SILVA, Alberto da Costa e, A Manilha e o Libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. p. 543-44.
[9] SOUMONNI, Elisée. Daomé e o mundo Atlântico. op. cit., p. 37
[10] LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 102.
[11] SOUMONNI, Elisée. Administração de um porto do Tráfico Negreiro: Uidá no século XIX. In: Daomé e o mundo Atlântico. Sephis/UCAM, Amsterdã/Brasil, 2001. p. 37
[12] Ibidem. p.41 e 42.
[13] ALAGOA, E. J. The Development of Institutions in the States of the Eastern Niger Delta. in:
The Journal of African History. vol. 12, no 2, 1971, pp. 269-278.
[14] GEBARA, Alexander Lemos de Almeida. Negociação e Resistência na cidade de Bonny no século XIX: o caso do rei William Pepple. Revista de História (USP), v. 1, p. 97-143, 2006.
[15] Ibidem. pp. 128 e 129.
[16] LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 105.
[17] Existe um debate em relação a crise do comércio escravo na baía do Benim e de Biafra, devido a pressões inglesas para o fim do tráfico. Adotei a data de 1850, baseando-me em:LOVEJOY, P. and RICHARDSON, D. The initial ‘crisis of adaptation’: the Impact of British Abolition on the Atlantic Slave Trade in West Africa. In: LAW, R. From Slave Trade to ‘Legitimate’ Commerce, the Commercial Transition in Nineteenth Century West Africa. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, pp. 32-56.

[18] SILVA, Alberto da Costa e, Um rio Chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed.UFRJ, 2003. p. 53.
[19] Ibidem. p. 15.
[20] George Canning (11 de Abril de 1770 - 8 de Agosto de 1827) foi um político britânico, que serviu como secretário de estado dos negócios estrangeiros e, brevemente, como primeiro ministro do Reino Unido.
[21] SILVA, Alberto da Costa e, Um rio Chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed.UFRJ, 2003. p. 64.
[22] RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[23] SILVA, Alberto da Costa e, Francisco Félix de Souza: mercador de escravos.. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed.UERJ, 2004. (4ª capa)
[24] SOUMONNI, Elisée. Administração de um porto do Tráfico Negreiro: Uidá no século XIX. In: Daomé e o mundo Atlântico. Sephis/UCAM, Amsterdã/Brasil, 2001. p. 44.
[25] Ibidem. p. 46.
[26] De acordo com Paul Lovejoy, a designação de “comércio legal” está reservada ao azeite de dendê e ao amendoim, não ao ouro e às nozes de cola. Ver: LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 253.
[27] GEBARA, Alexander Lemos de Almeida. Negociação e Resistência na cidade de Bonny no século XIX: o caso do rei William Pepple. Revista de História (USP), v. 1, p. 97-143, 2006. p.131.
[28] Ibidem.
[29] Ibidem. p. 135.
[30] LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 225.
[31] LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 273.
[32] Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Senhores Deputados, Segundo Ano da Primeira Legislatura. Sessão de 1827, tomo 3, p. 12.

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